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segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Um dos segredos de Porto é desvendendado

Fernando de Castro dedicou a vida à caça de tesouros 

Única foto de Fernando de Castro 


Elegante, fino e sincero. Se podemos conhecer um pouco a alma de alguém pela sua casa, com certeza pode-se dizer que Fernando de Castro devia ser um homem elegante e fino. E sincero,  pelas caricaturas ali expostas.  Antes que você 'dê um Google' para saber de quem falo, um alerta: Fernando de  Castro viveu de 1889 a 1946. Morava na rua Costa Cabral, 716, no Porto, e sua casa tornou-se um museu doado para Porto, como era seu desejo. 




Algumas caricaturas de Castro

Fui lá em um sábado pela manhã e, para variar, cheguei atrasada (juro que estou me esforçando e foram 'apenas' cinco minutos dessa vez!). O grupo de 10 pessoas formado em sua maioria por norte-americanos já estava no hall de entrada ouvindo as explicações em inglês de Ana Anjos Mântua, coordenadora da Casa Museu Fernando de Castro, que pertence ao acervo do Museu Nacional Soares dos Reis.  Por um instante pensei que havia ingressado em uma igreja tal a quantidade de peças sacras em meio a outras pagãs. 

Hall de entrada, foto de Adriano Teixeira (jornal Público)

Mântua na sala de caricaturas feitas
por Fernando de Castro

Durante uma hora, visitamos os três pisos com cinco lances de escadas.  Mas de onde vieram todas as peças? Quem era essa figura que comprava talhas - obras de arte em madeira - e as instalava em todos os espaços da casa - todos mesmo? Já pensou em uma enorme porta talhada em madeira fixada no teto? E em belas portas sem fechaduras e que não davam a lugar algum? 

Uma das surpresas: porta no teto 
 
A cada lance, mais peças

Filho de próspero comerciante portuense,  trabalhou com o pai e, após sua morte,  seguiu à frente da firma, mantendo a mãe e irmã. Tinha 30 anos, era solteiro e integrava a burguesia rica do Porto. Poeta e escritor sem grande destaque, dedicou sua vida a colecionar peças que dispunha em sua casa, aparentemente sem ordem determinada, tornando a visita hoje em dia um desafio para manter-se a atenção nas explicações e não tropeçar nos caminhos percorridos entre escadas e cômodos. Mântua explica que na época era aplicado o conceito "horror ao vazio". Então, nenhum espaço de parede - mesmo o menor que fosse - podia ficar à mostra -e estava em sintonia com o culto dos estilos nacionais e das antiguidades em finais do século XIX. 

Seu quarto e a paixão pela talha 

A curiosa vida de Fernando de Castro e seu acervo chamou a atenção de jornalistas que fizeram uma visita por ele guiada, o que rendeu matéria no Jornal de Notícias em 23 de maio de 1944, a única talvez a retratar seu pensar e sentir. Após sua morte, não há registros nem arquivos nem inventários do que está exposto no Museu, o que exige pesquisa e catalogação tendo Mântua à frente de um hercúleo trabalho. 

Então, vamos dar um salto para aquele tempo ainda em guerra e abrir espaço para Castro dar as boas-vindas aos visitantes:

"Alguém que realize uma obra, tão pequena que seja, como neste caso, não descansa, enquanto a não comunica. Toda a obra tem no artista o seu elemento criador e tem no público o seu elemento definitivo, e a obra não surgirá, não resultará senão assim. Qualquer realização sem crítica não terá o Sol que ilumine e eis porque, vossas excelências neste dia, encheram de luz a minha casa, da luz em que brilham as maiores fulgurações da literatura, da ciência, da oratória e da arte portuguesa. Se a alta sensibilidade de vossas excelências dentro da sua tolerância e generosidade, encontrarem nesta casa um momento de emoção, eu terei bendito a hora em que nela pensei e recolhido para meu prêmio e consôlo a mais enternecedora alegria. (...) Estou certo de que o gênio dos artistas maravilhosos, de tantas e tantas gerações, nesta casa representados, também neste momento, agradecem, do além, o culto e o amor de vossas excelências pela sua obra gloriosa" (sic).

Mântua e Castro têm algo em comum: a paixão pelas histórias. Se ele colecionava peças, Mântua dedicou sua carreira ao patrimônio histórico. A semente da curiosidade foi plantada em menina, aos cinco anos, quando seu avô, aposentado, a levava para passear nos museus. Cursou História da Arte, pós-graduação em arte, patrimônio e restauro pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Trabalhava no Mosteiro dos Jerônimos antes da pandemia, quando veio para Porto estar perto do filho e nora.  

Mântua comenta que a maior parte das visitas guiadas são feitas por portugueses que desconheciam o acervo da Casa-Museu Fernando de Castro. Após criar redes sociais e organizar a divulgação, o volume de visitas começou a aumentar e o local foi tema de reportagens na imprensa. Para ela, "é muito importante criar laços com a comunidade e as redes sociais vêm ajudar muito para isso". 


Ana Anjos Mântua 

História é a vida de Mântua. Além de escrever críticas sobre exposições e artigos, Mântua publicou o romance histórico "A americana que queria ser rainha de Portugal". Após extensa pesquisa inicialmente feita para uma biografia, ela - a conselho da editora - aceitou o desafio e escreveu o romance  empolgante sobre a norte-americana Nevada Hayes, uma das figuras mais comentadas pela imprensa internacional e pela aristocracia europeia da época. Nevada tornou-se mulher do príncipe Dom Afonso, filho de Dom Manuel, último rei de Portugal, que recebeu a notícia do casamento com recusa e indignação em seu exílio na Inglaterra. Com o casamento, assumiu o título de duquesa do Porto, princesa de Bragança. Morreu em 11 de janeiro de 1941, já viúva de 'seu amor' D. Afonso e tendo conseguido a herança por direito do Estado português. 

Primeiro romance
histórico de Mântua

Mântua, prestes a aposentar-se, está trabalhando em uma biografia (que ainda é segredo!) e curtindo ser avó de um menino com um mês de vida. Entusiasmada com a perspectiva da aposentadoria em breve, Mântua quer viajar mais como explica:

"A vida de quem se dedica a pesquisas ou a museus é muito boa, mas é solitária e reclusa. Estamos dias inteiros à frente de uma tela de computador". E a escrita? "Com certeza também, e ao abordar história, você está cercada de algo que foi, não do que será nem do que é hoje".

A conversa caminha-se para o final, no café perto do Museu, cujo dono é carioca e jornalista (mundo pequeno, não?). Para terminar, o que ela diria para quem viria morar em Portugal? 

"Na minha opinião, quem se muda para outro país deve tomar esse país como seu e não criar uma comunidade à parte. Aprender o idioma é o início. Depois, visitar museus, bibliotecas, ir ao teatro e conversar. O brasileiro tem a vantagem de entender o português, mas há palavras com outros significados. Então, é conhecer o lugar que o recebeu". 

# história #NevadaHayes #AnaMântua #arte sacra #romances #museus

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Você já foi em uma feira de 631 anos?

900 anos de Foral de Viseu, tema da 

imperdível Feira de São Mateus 

José Cascão, Rose de Almeida, eu e a bela Sofia 

No final de semana de 8 de setembro, enquanto muitos estavam no feriado prolongado (que foi meu primeiro aniversário sem ter o dia seguinte livre) fui visitar um casal amigo em Viseu. A amizade com José Cascão vem dos anos da faculdade FIAM há 47 anos (não é demais dizer quanto tempo se conhece uma pessoa sem a neura da idade?). Ele já estava no primeiro ano de comunicação social e eu era caloura. Já conhecer esse ano sua mulher Rose Almeida foi uma feliz coincidência ao descobrirmos que temos uma querida amiga em comum - Claudia Santos - que, com propriedade sempre diz: o mundo não é uma ervilha? 

Então, aceitei o convite para conhecer Viseu e a Feira de São Mateus no final de semana de 8 de setembro. Lá fui eu de Flixbus em viagem de ônibus de duas horas e fiquei fã do aplicativo que tem outros concorrentes. 

Sábado pela manhã, no delicioso brunch, depois que Cascão e eu descobrimos que -  pasmem! - vivemos a adolescência no mesmo período no velho e bom bairro do Brooklin Novo, fomos  desfrutar de um dos meus programas favoritos: conhecer cidades, museus e suas  histórias, observar pessoas, 'eventualmente' fazer umas comprinha. O programa fica mais incrível ao incluir uma companhia  - Sofia, filha do casal com alto astral e que chegou há pouco tempo do Brasil para aqui residir e trabalhar remotamente. 

Logo tive a primeira surpresa, ao visitar o Museu de História da Cidade. Estou em uma cidade de 2.500 anos, conectada como um fio que parte da idade do ferro, passa pela época romana e idade média, ganha o foral em maio de 1.123, concedido por D. Teresa, rainha de Portugal. O foral é um documento que estabelece o concelho (município), regula a sua administração, deveres e privilégios. O cuidado com a memória impressiona tanto pela exposição permanente quanto pela mostra que celebra os 900 anos do foral. E isso vale para todos os museus portugueses, muito bem cuidados com orgulho pelos seus municípios e  moradores. 

Vissaium, Veseum, Viseum, Viseu. O nome foi mudando à medida em que a história era vivida por moradores nobres e comuns, nascidos na Lusitânea ou em outros lugares daquilo que hoje é conhecido como Europa. Ali também está um dos maiores mistérios da arqueologia portuguesa, a Cava de Viriato. Terá sido acampamento romano? Estrutura militar árabe? Um projeto arquitetônico que não foi adiante entres os séculos IX e X?  Verdadeiro mistério. Mas é fato que a Cava de Viriato é considerada a maior construção em terra da Península Ibérica e forma um perfeito octógono em 32 hectares.   


Cave de Viriato, maquetes de visão geral e detalhe

Chega a noite e, com ela, a ida à famosa Feira de São Mateus. São quatro portas para  ingressar - São Mateus, Ponte de Pau, Sol Poso e Viriato. A corrida dos 900 anos da cidade estava acontecendo e para chegarmos até uma das portas foi uma verdadeira maratona! Tudo fechado, trânsito desviado, explicações dos guardas. Depois de muito rodar, Cascão estacionou pertinho e lá fomos nós quatro comprar os ingressos. 

Detalhe importante e não exagerado: ali tem de tudo para comprar! Afinal,  sua origem há 631 anos foi como uma feira de negócios.  

Então, quer renovar a roupa de cama, mesa e banho? Tem centenas de opções em vários estandes! 

Quer um carro Mercedes-Benz ou Audi 2023? Ali estão. 

Ou quer bijuterias em estanho desenhadas por artesãos locais? Também tem! (comprei algumas lindas!) 

Quer assistir shows grátis ou pagos? É só ver a programação muito divulgada nos media (como a mídia é chamada em Portugal).  

E mais: um parque imenso de diversões (para esvaziar os bolsos dos pais e deixar as mamãs enlouquecidas atrás dos rebentos...), ala de  restauração (onde estão os restaurantes e estandes de comidas e as deliciosas farturas). Um lugar iluminado em todos os sentidos.  

Durante 43 dias,  mais de um milhão e meio de visitantes terão passado na Feira, que encerrou-se dia 21 passado. Em 2022, 1.271.848 visitantes em média diária de 25.956 pessoas. O balanço desse ano ainda não foi divulgado. 


Visão da Feira e de monumento a Viriato

Vale dizer que o preço do ingresso está condicionado pela atração musical ou artística a se apresentar no palco principal no dia. Pode ir de 5 a 15 euros. Quando a atração é mais simples ou não há evento artístico naquele palco, a entrada é gratuita, explica Cascão. O objetivo dos promotores é ver o espaço sempre com movimento.  Importante destacar que o movimento de negócios pode chegar entre 80 e 90 milhões de euros.  

A Feira de São Mateus é a primeira feira a nível nacional a receber o certificado de evento sustentável aplicado nas vertentes social, econômica e ambiental, concedido pela certificadora Biosphere. A certificadora considerou que a mais antiga feira da Península Ibérica demonstrou, com sucesso, o cumprimento de ações alinhadas com os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda das Nações Unidas para 2030". 

Então, ao planejar sua viagem para Portugal, tem que incluir Viseu e se vier entre agosto e setembro, não pode deixar de ir na Feira de São Mateus! Quem sabe nos encontramos por lá no ano que vem? Te espero nas ruínas da Cava de Viriato! 





  



segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Vila Franca de Xira e as ruínas de uma história

Vamos fazer uma viagem diferente ao passado? 

Palácio do Farrobo

Estamos em Vila Franca de Xira, distante 30 quilômetros de Lisboa, mas, claro, não no ano da gravura (provavelmente em 1840). Nosso guia é Vitor Seabra, simpático português de 79 anos que mora no Monte Gordo, e que viu o esplendor e queda do Palácio do Farrobo.

O primeiro dono do Palácio foi Joaquim Pedro Quintela do Farrobo, segundo barão de Quintela e primeiro conde do Farrobo, conhecido como mecenas no Portugal do Liberalismo e que seguiu e superou a trajetória do pai no mecenato (1801-1869).

 Naquele Palácio, trabalharam o avô e o pai de Vitor, que tomou outro rumo e foi ser serralheiro. Depois de casado, foi para a França, onde morou por 20 anos e teve suas três filhas, voltando com sua esposa após se aposentar. 

Então, olhe bem a gravura, feche os olhos e imagine uma imponente propriedade de 60 hectares no alto de um morro, tendo as vinhas à sua frente e o gado solto. O vinho era produzido ali mesmo, em um prédio erguido para tal. O Palácio tinha escadarias imponentes, paredes de azulejos em mosaico azul, trabalhos de ferro, quartos, casas de banho e cozinha. E mais: um teatro ao lado onde apresentavam-se companhias italianas de ópera e uma capela, conectada ao palácio por passadiços. 

O Conde de Farrobo possuía ainda a Quinta das Laranjeiras em Lisboa –  hoje o Zoologico de Lisboa. 


Quinta das Laranjeiras 

Então, naquela Lisboa do século XIX, ele ficou famoso por promover animadas festas após os espetáculos também por ele patrocinados no seu Teatro Thalia, que ficava anexo ao palácio e tinha presença constante do rei D. Fernando e sua filha Maria Ana. Foi por conta dessas famosas festas que surgiu a expressão “farrobodó” (no Brasil, chamamos de forrobodó).  

A família possuía ainda a Quinta dos Sete Rios, a “casa de campo”, hoje conhecida como Palácio do Chiado. Como tudo que vem, vai, reza a lenda que acabou com uma fortuna que a família demorou dez gerações a criar. 

Mas voltemos à Vila Franca de Xira, que também tem seu lado histórico...

Vítor conheceu toda a região pois seu primeiro trabalho foi como empregado de tabacaria. “De manhã, eu percorria a Vila toda com um bloco e lápis anotando os pedidos nas tabernas e mercearias. De tarde, eu distribuía tudo”. Enquanto isso, seu avô e seu paí seguiam trabalhando no Palácio. Em 1957, a propriedade foi doada pelo Visconde à Caritas Portuguesa e houve uma grande restauração. 

Palácio do Farrobo, hoje

Ruínas de um tempo áureo

Mas, como nem tudo fica intacto, perto de acontecer a Revolução dos Cravos, o Palácio tem sua noite sombria, como Vitor conta: 

- “Às vésperas de 25 de abril de 1974, homens chegaram e roubaram tudo, até o madeiramento. Levaram o órgão da capela e tudo ficou destruído. Depois o presidente da Câmara da cidade (é a prefeitura) e o então presidente Mário Soares visitaram e disseram que tudo seria restaurado. Mas não foi o que aconteceu”.  Em 1980, a propriedade passou para a Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira e desde então, só as ruínas e o mato é que aumentam.

Pelos serviços prestados à família, seu pai recebeu dos herdeiros do Conde de Farrobo a casa e propriedade ao lado do palácio e que depois ele herdou e onde reside até hoje.  

Uma cidade cai em emboscada? 

Entretanto, a história de Vila Franca de Xira é mais estranha ainda que as ruínas no Monte Gordo. Tinha o segundo cais mais importante depois de Lisboa e era a cidade mais desenvolvida da região. Aos domingos recebia barcos vindos de Lisboa para comprar os seus famosos peixes. As antigas casas no caís indicam ter vivido um passado rico e vibrante. 


Cais antigo em gravura no azulejo e hoje


Marina da cidade, hoje

Em novembro de 1994, no lugar da antiga estalagem Lezíria e do Cinema da cidade, é aberto o Vilafranca Centro Comercial, com 180 lojas, três salas de cinemas – uma com tecnologia IMAX, dois estacionamentos – o terceiro maior centro comercial do país e o maior da região.  Apenas 19 anos depois, em 2013, o centro comercial é fechado. 

 Mas como um centro comercial morre? 

Segundo o site MAGG, não é uma resposta fácil de se obter. A maioria das lojas era da empresa Obriverca e os comerciantes queixavam-se dos altos valores de condomínio. A administração retrucava dizendo que as dívidas dos comerciantes tinham deixado a situação insustentável.  (Já vimos esse filme em várias cidades brasileiras...) Em 2017, o Banco Popular, do Santander, adquire tudo por cerca de 2,5 milhões de euros e no final de 2018 inicia o chamado Projeto Tagus, nome dado à transação que reunia imóveis no valor de 600 milhões de euros, adquirido pelo fundo norte-americano Cerberus.  

Hoje, o que se vê em Vila Franca de Xira é um centro comercial abandonado e supermercados nas ruas próximas ao falecido shopping. Dentro dele, segundo um fotógrafo que conseguiu entrar no lugar insalubre em 2019 há equipamentos como computadores, televisões e até pallets com garrafas de Coca-Cola intactas. Serve de abrigo e de cemitério de pombos. O restaurante panorâmico no último andar ainda exibe as cortinas de um tempo que Vila Franca de Xira era o centro da região. 


Segundo Vitor, a cidade está um pouco morta: 

- “É essa a sensação que a gente tem. Havia até uma fábrica que fazia farinha de trigo e de cascas de arroz, em frente aos hotéis da cidade”. Hoje, Alverca (cidade próxima) é que está crescendo.  

Conversa com Vitor em sua casa 

Nos despedimos de Vitor e de sua filha, Maria Tereza, conhecida como Maitê. Ele fica ali com seus sete gatos e sua lida diária – agora está restaurando um brasão em pedra do Palácio e que estava no lixo. Cuida da casa com sua mulher e das plantas. É exemplo de persistência, ao ter passado há alguns anos por um câncer, por uma parada de rins e voltado à vida no hospital. 

Mas, como muitos portugueses que encontro nas minhas andanças, ele mantém o bom humor e a cortesia.  

Vitor e sua filha Maitê


#VFX #Conde de Farrobo #Zoo Lisboa #Portugal #VilaFrancadeXira #Palácio do Farrobo






quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Comboio, a aventura pelos trilhos de Porto

Destinos conectados por minutos    

Trem. Lugar onde as pessoas se encontram para ir e voltar do trabalho, ir para a escola, visitar amigos ou parentes, ir à praia, ir à serra. Para quem mora em Vila Nova de Gaia, é também um meio de ver o belo Douro e a cidade de Porto, além da chegada na deslumbrante Estação São Bento com seus azulejos a contarem histórias. 


Parece simples? Nem tanto. Na semana passada, na volta da sessão de fisioterapia que faço no Hospital Trofa Gaia, no bairro ao lado, resolvi voltar de trem para casa. E aí começou a aventura! 

É preciso esclarecer que Portugal está implementando um grande investimento na malha ferroviária. Até 2030, 10.510 milhões de euros serão aplicados na malha ferroviária. São 16 projetos que passam por novas linhas de metrô e de trem e modernização de muitas já existentes. Então, pode imaginar que muitas  estações estão em obras, além de ser preciso entender qual trem é direto sem parar e qual para nas estações. 

Assim, depois de pegar o comboio (como chamamos trem aqui), descer na estação seguinte, retornar para a estação de Vila Nova de Gaia, achei melhor perguntar para o bilheteiro. O diálogo não poderia ser mais surreal:

- Boa tarde, estou um pouco perdida..

- Boa tarde, a senhora está em Vila Nova de Gaia!

A vontade foi dizer que isso eu já tinha entendido, mas queria era tomar o trem correto. Então, fui tentar entender as planilhas colocadas nos murais com os horários e destinos dos trens. Podem ser até compreensíveis para os nativos ou moradores nessas terras há algum tempo, mas para mim pareciam hieroglifos egípcios! 

A sobrinha Anna veio ao socorro depois de eu reportar no nosso grupo de WhatsApp  (santo Whats!) que não estava tendo muito sucesso em voltar de trem para casa. Ah, bom! Tem que esperar passar o segundo comboio que vai para Ovar (que nunca tinha ouvido falar) pois ele para em todas as estações.  Mas não foi dessa vez que acertei.

Desci na outra estação pois o comboio não parou em Coimbrões, perto de casa. Aí veio a pergunta de quem realmente não anda de trem: 

- Será que tem que apertar algum botão para o trem parar na estação? 

Resposta imediata da sobrinha: 

- Não tem que apertar nenhum botão, tia Lena. Ou para ou não para! 

Finalmente, cheguei no bairro e parei para saborear um merecido sanduiche no Burguer King. 

Dias depois, lá fomos nós - eu, minha irmã Vera, Luisa e Catarina para Porto, saindo da estação Miramar. A vista na viagem é incrível em tarde ensolarada de agosto. Tarde com passeio, sorvete, algumas compras (ninguém é de ferro!) voltamos e certas de que tínhamos tomado o trem correto depois de perguntar, entender os  horários e as plataformas, relaxamos... Até que uma senhora que estava no trem e ouviu a gente comentar que iria descer em Coimbrões, disse com toda calma do mundo: 

- Se querem parar em Coimbrões, precisam descer na estação agora e tomar o comboio para Aveiro. Saímos as quatro correndo! 

Realmente, tomar comboio é uma aventura! 




sexta-feira, 4 de agosto de 2023

A casa das sete meninas



Miúdas aprendem o trato com a beleza

Cuidar da beleza faz muito bem para si!

- Fotos? Mas se eu soubesse, tinha ido ao cabelereiro! 

E com essa risada gostosa, começou a boa e descontraída conversa com Carminda dos Anjos Teixeira Pereira, 63 anos, dona do salão Carminda, pertinho de casa no Canidelo. .

Vale registrar que logo que aqui cheguei, há quase seis meses (o tempo voa!), procurei um lugar onde me sentisse tão bem como o salão La Femme, da Gaby e gerenciado pela Tânia em frente ao condomínio em que eu morava na Vila Leopoldina, em São Paulo.

Finalmente, depois de três meses aqui e muito observar nas caminhadas do bairro, entrei na casa azul, muito 'fixe' na rua do Meiral, 35. (onde, já sabem, tem a confeitaria, a papelaria, a lojinha de vinhos e que vende algumas frutas - tudo em frente à escola do Meiral onde os miúdos estão a brincar na colônia de férias. Tudo a caminho da Rua Bélgica). Depois de subir dez degraus, está um amplo e claro salão com várias salas de extremo bom gosto, equipamentos novos e espaços cuidadosamente distribuídos. Há um espaço apenas para a manicure, que tem sua mesa, que observo ser tão diferente do Brasil que sempre abominei aquelas cadeirinhas pequenas e as profissionais curvas).  

Espaço com música, silêncio, algumas conversas em tom baixo. Tudo feito com calma. Profissionais com foco no que estão a fazer. No final do pavimento, há mais salas - para pedicure, massagens, tratamentos de estética. 

Carminda, 65 anos, nasceu em Mirandela, no distrito de Bragança. Aprendeu os primeiros princípios sobre os cuidados com cabelos de 12 aos 14 anos. Depois conclui os estudos e exerceu a função de escriturária até os 27 anos em empresas publicitárias (ah, está explicado o bom gosto pelo ambiente e o foco em agradar as consumidoras!).  Depois do curso profissional na área da beleza, abriu seu primeiro salão em 1988. E isso foi só o começo.. 

Sou uma feminista suave e tenho a convicção que as mulheres são por natureza batalhadoras e não desistem logo. Carminda não foge à regra. Chegou a ter três salões ao mesmo tempo, sempre em Canidelo. Hoje, com ela, são sete profissionais: Elsa, Fátima, Fernanda, Liliana, Helena, Andrea.  A garra feminina que foi o foco do romance de Letícia Wierzchowski em A Casa das Sete Mulheres e depois adaptada como mini-série da TV Globo, está ali presente.

As meninas na abertura do novo espaço 

Mãe de um casal e avó de duas meninas e dois meninos, Carminda conta com a filha Elsa à frente dos tratamentos estéticos (vou fazer um deles para dar um impulso na dieta que estou seguindo - afinal, ainda é verão!). Ali o tratamento estético é assunto prá lá de sério. Apenas um dos aparelhos, diz Carminda, custou 40 mil euros.

Conversamos sobre os tempos pós pandêmicos e ela observa que as pessoas de forma geral ainda estão tensas e preocupadas. "Antes da Covid-19, as mulheres vinham mais ao salão, quase que semanalmente". E ela sabe o que está dizendo, afinal atende várias gerações de clientes - da avó à neta. 

Para quem está pensando em empreender por aqui e abrir seu salão de beleza, ela ressalta que é importante procurar uma zona sem tanta concorrência e sempre buscar oferecer diferenciais.  Segundo o INE - Instituto Nacional de Estatística, há mais de 38 mil salões de cabelereiro e institutos de beleza em Portugal e que empregam mais de 50 mil profissionais.

E o que esse trabalho traz para si ? (aqui usa-se o si ao invés de você). 

Carminda abre um sorriso:

- O trabalho é prazeroso!  É muito bom ver a transformação da cliente, o ar feliz que tem ao olhar no espelho no final de um corte, de madeixas, de uma coloração.  A gente não precisa perguntar se ela gostou: a resposta está ali!



Carminda em seu amplo salão 


Na profissão, como na vida, é necessário seguir princípios e valores. Carminda chega a perder uma cliente que insista em determinado tratamento químico quando ela, com sua experiência e conhecimento técnico, sabe não ser o mais adequado: "Essa é minha forma de pensar e agir. Lidamos com produtos químicos e temos que ter consciência". 

Eu testemunhei isso, pois antes de fazer as madeixas, foi feito um teste e só depois no dia seguinte é que a profissional Fernanda conduziu o tratamento. E, ao olhar no espelho, foi muito bom reconhecer aquela mulher que lá na distante São Paulo, saía feliz depois de horas no salão!! Sensação de estar em casa!


Que tal o novo look?

#Canidelo #beleza #salão #Carminda #Portugal #cabelos

terça-feira, 25 de julho de 2023

Livros já lidos fortalecem uma causa solidária

As páginas  voltam mais amadurecidas e belas 


Cascais tem um charme especial. Ali, pode-se ouvir com mais constância o brasileiro, como é chamado por aqui o português falado no Brasil. A cidade  encanta com seus restaurantes elegantes, casas deslumbrantes, vistas invejáveis. E tem mais: carros iguais aos que vemos em filmes de James Bond. Pertinho, há lugares que nos deixam sem palavras como a Boca do Inferno ou o Cabo da Roca (ali, não dá mesmo para falar, tal o vento do ponto mais ocidental da Europa!). 


Então, quando pensa que já viu tudo, chega-se à Praça da Fortaleza. Ninguém fica imune à Cidadela de Cascais, integrada por seu Palácio, Torre de Santo Antônio e a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz. Respira-se história nesse ambiente erguido para defender a região aos ataques que ocorriam do século XV ao XVII. Desde meados do século XX, foi esse o lugar escolhido pelas elites portuguesas e estrangeiras para desfrutarem dias de verão na vila pertencente ao distrito de Lisboa. 

Elites escolheram Cascais  como veraneio 


Mulheres elegantes ou descontraidamente vestidas – com chapéus para se protegerem do sol ardente do verão. Muitas acompanhadas pelos maridos – aliás, vale uma nota depois de meses de observação (pode ser precoce e sujeita à mudança!):  as mulheres portuguesas são altivas e têm opiniões firmes, ditas sem medo de serem felizes. São generosas e, ao mesmo tempo, dedicadas ao trabalho seja ele qual for e à orientação de seus miúdos. 

Exemplo dessa garra feminina portuguesa é encontrado ao subirmos uma escadinha estreita no Restaurante Taberna da Praça. Quando se chega ao primeiro andar do espaço pertencente ao hotel Pestana Cidadela Cascais, deslumbram-se prateleiras com livros já lidos em excelente estado, divididos por idiomas ou por temas. Estamos na Livraria Déjà Lu, onde é possível encontrar livros por preços mais que convidativos. 


Paraíso para leitores ávidos


Ali está A Relíquia, de Eça de Queiroz, em edição recente e perfeito estado por 4 euros! Aliás, devo confessar que me tornei fã de carteirinha desse autor e sua verve.  Na mesinha do caixa, a voluntária Rita Lobo (simpática como a ‘nossa’ brasileira e doce Rita Lobo) conta que essa é uma livraria solidária, ou seja, as receitas são revertidas integralmente para Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21. 

A voluntária Rita Lobo

E quem teve a ideia de transportar os viajantes que aqui chegam, mais conhecidos como turistas, para caminhos sinuosos e atraentes das palavras no papel? Duas portuguesas com muita determinação: Francisca Prieto e Maria Faria de Carvalho, que já tinham criado o blog Déjà Lu em 2011 para leiloar livros usados. Então, com exemplares vindos de todas as partes do país, elas preencheram as prateleiras em um ambiente acolhedor como uma sala de casa.
 
 A livreira Francisca na mídia portuguesa. 
Aqui, crédito para a plataforma Sapo.  

Assim nascia em 2015 a livraria Déjà Lu, que conta com voluntários para a coleta, catalogação das obras e atendimento. No Brasil, a Trissomia 21 é conhecida como Síndrome de Down. Descrita pela primeira vez em 1866 pelo médico inglês John Langdon Down, a Síndrome de Down consiste numa alteração cromossômica: em vez de dois, existem três cromossomas 21. Daí a designação Trissomia 21. 

Uma das filhas de Francisca leva o seu nome e é portadora da Trissomia 21.  A hoje jovem de 17 anos passou várias tardes de sua infância  nas salas da Déjà Lu. E o projeto da Associação segue, com o objetivo de apoiar a profissionalização dos jovens portadores de Trissomia 21.

E desde 18 de julho, Francisca Prieto tem companhia na jornada de inclusão em Cascais.

Foi aberto o terceiro café-restaurante inclusivo e solidário da Associação francesa VilacomVida em Portugal. Ali serão empregados 12 jovens adultos com dificuldades intelectuais e de desenvolvimento, além de um gerente, um subgerente e seis supervisores que vão acompanhar e formar os jovens. Depois de conversar com Rita, pegar um papelzinho verde em um aquário (frases tiradas de livros, claro!), saio carregada de livros cuidadosamente condicionados em duas sacolas de pano. 

Estou feliz. Afinal, os livros que cobriam uma parede inteira de meu apartamento na Vila Leopoldina, em São Paulo, seguiram rumo a outros leitores. E, em uma vila de além-mar, encontro outros que ficarão ao meu lado por um bom tempo – e, claro, terão outros companheiros assim que eu voltar à Livraria Déjà Lu! 


#ler #livros doados #Dèjá Lu #Cascais #Cidadela #descoberta # Portugal 


domingo, 9 de julho de 2023

Ainda que eu falasse a linguagem dos homens e dos anjos

Canidelo, cantinho que se torna querido


Nos primeiros dias em Portugal, ainda em fevereiro, iniciei minhas caminhadas pela freguesia de Canidelo (no Brasil, é bairro), e encontrei a Igreja de Santo André de Canidelo. Então, criei um hábito. Sempre que vou buscar o jornal Expresso no posto da CTT às sextas ou aos domingos, costumo dar uma paradinha na igreja que tanto me lembra as de Salvador (BA). Ali, no cantinho ao lado da pia batismal, faço preces, descanso e admiro os afrescos. Gosto de conhecer igrejas por onde vou, pois acredito que é uma forma de - além de estabelecer conexão com o divino - conhecer um pouco a história local. 

Igreja Santo André de Canidelo

No domingo, 2 de julho, percebi certa movimentação na porta, com pessoas cumprimentando-se efusivamente. Será que teria casamento? É sempre bom admirar igrejas decoradas para festas. Além disso, seria boa oportunidade para, depois do evento, vê-la mais de perto pois as portas principais permanecem fechadas fora dos horários de missas. Pela quantidade de ouro ali presente, a igreja tem um sistema de segurança com portas de vidro nas laterais e câmera. 

Então, no meu canto habitual, perto da bia batismal, reparei em um jovem colocando os folhetos nos bancos. E qual não foi minha surpresa quando minutos depois, o mesmo jovem retorna à nave principal, já paramentado, abre as portas e saúda as pessoas! É estranho ver um padre tão jovem. Devagar as pessoas vão entrando, seguindo uma senhorinha acompanhada provavelmente por sua filha. 


Quietinha, ao lado da bia batismal,
observava a movimentação


No altar, o noivo Ricardo Rocha olha para a frente, o que me chama a atenção pela diferença com o Brasil, onde o noivo olha para a entrada da noiva e vê uma sequência, na minha opinião um pouco exagerada, de padrinhos e madrinhas a ingressar no recinto.

A noiva Ana Borges entra com sua mãe e depois entra Sophia, uma bela menina de um ano e dois meses, no colo de provavelmente um parente. 

O padre Pedro Sousa, de 31 anos, inicia uma inusitada cerimônia - casamento seguido do batismo da filha do casal.  Para minha surpresa, o texto escolhido é um dos meus preferidos: 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios, capítulo 13: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine ...". 


Os noivos, após a bela cerimônia


Segundo reportagem do site A Verdade, o jovem padre dehoniano Pedro Sousa acredita que “o amor é a palavra-chave de toda a fé em que acreditamos e a palavra-chave da felicidade. Podemos acreditar muito ou pouco, mas se adotarmos a vida de Jesus para a nossa, vamos alcançar o amor verdadeiro. Alguns procuram noutras coisas. mas acredito que este modelo nos mostra uma forma de chegar mais rápido à felicidade”.  

Vale esclarecer a nomenclatura dehoniano. A Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) nasceu em 1878, em Saint-Quentin, França, por obra de seu fundador, Padre Leão Dehon, então sacerdote da Diocese de Soissons, coadjutor da Paróquia de Saint-Quentin e diretor do Colégio São João. A congregação  assumiu inicialmente o nome de Oblatos do Sagrado Coração. Depois de difícil início e algum tempo suprimida pela Santa Sé, em 1884, renasceu com o nome oficial de Sacerdotes do Coração de Jesus.

Voltando ao casamento, Pedro Sousa diz que mesmo sem ter a experiência no matrimônio, dá um conselho ao casal: além de olharem um ao outro, ambos devem olhar na mesma direção. 

Após a comovente cerimônia, dirige-se à pia batismal e eu mais que depressa, saio dali e entro na outra porta lateral. Sophia, como toda criança, chora um pouco ao receber a água santa, aquietando-se logo.  

Batismo de Sophia

Todos saem e aguardam a saída dos noivos que, passados alguns minutos, são saudados com arroz e pétalas de flores. 
Sophia e sua mãe Ana



Na volta para casa, vejo o cortejo de carros seguindo o veículo dos noivos, todos buzinando pelas ruas de Canidelo.

Caminhando, fico a lembrar dos casamentos (religiosos ou civis) dos meus sobrinhos e dos batismos da sobrinha e afilhada Annamaria e do sobrinho-neto e afilhado João Pedro. Então, lanço um desejo para o universo:  

- Quem sabe não conseguimos reunir a família toda (vinda de vários cantos) em 2024 ou em 2025 nesse cantinho tão querido chamado Canidelo?