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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Vila Franca de Xira e as ruínas de uma história

Vamos fazer uma viagem diferente ao passado? 

Palácio do Farrobo

Estamos em Vila Franca de Xira, distante 30 quilômetros de Lisboa, mas, claro, não no ano da gravura (provavelmente em 1840). Nosso guia é Vitor Seabra, simpático português de 79 anos que mora no Monte Gordo, e que viu o esplendor e queda do Palácio do Farrobo.

O primeiro dono do Palácio foi Joaquim Pedro Quintela do Farrobo, segundo barão de Quintela e primeiro conde do Farrobo, conhecido como mecenas no Portugal do Liberalismo e que seguiu e superou a trajetória do pai no mecenato (1801-1869).

 Naquele Palácio, trabalharam o avô e o pai de Vitor, que tomou outro rumo e foi ser serralheiro. Depois de casado, foi para a França, onde morou por 20 anos e teve suas três filhas, voltando com sua esposa após se aposentar. 

Então, olhe bem a gravura, feche os olhos e imagine uma imponente propriedade de 60 hectares no alto de um morro, tendo as vinhas à sua frente e o gado solto. O vinho era produzido ali mesmo, em um prédio erguido para tal. O Palácio tinha escadarias imponentes, paredes de azulejos em mosaico azul, trabalhos de ferro, quartos, casas de banho e cozinha. E mais: um teatro ao lado onde apresentavam-se companhias italianas de ópera e uma capela, conectada ao palácio por passadiços. 

O Conde de Farrobo possuía ainda a Quinta das Laranjeiras em Lisboa –  hoje o Zoologico de Lisboa. 


Quinta das Laranjeiras 

Então, naquela Lisboa do século XIX, ele ficou famoso por promover animadas festas após os espetáculos também por ele patrocinados no seu Teatro Thalia, que ficava anexo ao palácio e tinha presença constante do rei D. Fernando e sua filha Maria Ana. Foi por conta dessas famosas festas que surgiu a expressão “farrobodó” (no Brasil, chamamos de forrobodó).  

A família possuía ainda a Quinta dos Sete Rios, a “casa de campo”, hoje conhecida como Palácio do Chiado. Como tudo que vem, vai, reza a lenda que acabou com uma fortuna que a família demorou dez gerações a criar. 

Mas voltemos à Vila Franca de Xira, que também tem seu lado histórico...

Vítor conheceu toda a região pois seu primeiro trabalho foi como empregado de tabacaria. “De manhã, eu percorria a Vila toda com um bloco e lápis anotando os pedidos nas tabernas e mercearias. De tarde, eu distribuía tudo”. Enquanto isso, seu avô e seu paí seguiam trabalhando no Palácio. Em 1957, a propriedade foi doada pelo Visconde à Caritas Portuguesa e houve uma grande restauração. 

Palácio do Farrobo, hoje

Ruínas de um tempo áureo

Mas, como nem tudo fica intacto, perto de acontecer a Revolução dos Cravos, o Palácio tem sua noite sombria, como Vitor conta: 

- “Às vésperas de 25 de abril de 1974, homens chegaram e roubaram tudo, até o madeiramento. Levaram o órgão da capela e tudo ficou destruído. Depois o presidente da Câmara da cidade (é a prefeitura) e o então presidente Mário Soares visitaram e disseram que tudo seria restaurado. Mas não foi o que aconteceu”.  Em 1980, a propriedade passou para a Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira e desde então, só as ruínas e o mato é que aumentam.

Pelos serviços prestados à família, seu pai recebeu dos herdeiros do Conde de Farrobo a casa e propriedade ao lado do palácio e que depois ele herdou e onde reside até hoje.  

Uma cidade cai em emboscada? 

Entretanto, a história de Vila Franca de Xira é mais estranha ainda que as ruínas no Monte Gordo. Tinha o segundo cais mais importante depois de Lisboa e era a cidade mais desenvolvida da região. Aos domingos recebia barcos vindos de Lisboa para comprar os seus famosos peixes. As antigas casas no caís indicam ter vivido um passado rico e vibrante. 


Cais antigo em gravura no azulejo e hoje


Marina da cidade, hoje

Em novembro de 1994, no lugar da antiga estalagem Lezíria e do Cinema da cidade, é aberto o Vilafranca Centro Comercial, com 180 lojas, três salas de cinemas – uma com tecnologia IMAX, dois estacionamentos – o terceiro maior centro comercial do país e o maior da região.  Apenas 19 anos depois, em 2013, o centro comercial é fechado. 

 Mas como um centro comercial morre? 

Segundo o site MAGG, não é uma resposta fácil de se obter. A maioria das lojas era da empresa Obriverca e os comerciantes queixavam-se dos altos valores de condomínio. A administração retrucava dizendo que as dívidas dos comerciantes tinham deixado a situação insustentável.  (Já vimos esse filme em várias cidades brasileiras...) Em 2017, o Banco Popular, do Santander, adquire tudo por cerca de 2,5 milhões de euros e no final de 2018 inicia o chamado Projeto Tagus, nome dado à transação que reunia imóveis no valor de 600 milhões de euros, adquirido pelo fundo norte-americano Cerberus.  

Hoje, o que se vê em Vila Franca de Xira é um centro comercial abandonado e supermercados nas ruas próximas ao falecido shopping. Dentro dele, segundo um fotógrafo que conseguiu entrar no lugar insalubre em 2019 há equipamentos como computadores, televisões e até pallets com garrafas de Coca-Cola intactas. Serve de abrigo e de cemitério de pombos. O restaurante panorâmico no último andar ainda exibe as cortinas de um tempo que Vila Franca de Xira era o centro da região. 


Segundo Vitor, a cidade está um pouco morta: 

- “É essa a sensação que a gente tem. Havia até uma fábrica que fazia farinha de trigo e de cascas de arroz, em frente aos hotéis da cidade”. Hoje, Alverca (cidade próxima) é que está crescendo.  

Conversa com Vitor em sua casa 

Nos despedimos de Vitor e de sua filha, Maria Tereza, conhecida como Maitê. Ele fica ali com seus sete gatos e sua lida diária – agora está restaurando um brasão em pedra do Palácio e que estava no lixo. Cuida da casa com sua mulher e das plantas. É exemplo de persistência, ao ter passado há alguns anos por um câncer, por uma parada de rins e voltado à vida no hospital. 

Mas, como muitos portugueses que encontro nas minhas andanças, ele mantém o bom humor e a cortesia.  

Vitor e sua filha Maitê


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