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quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Você já foi em uma feira de 631 anos?

900 anos de Foral de Viseu, tema da 

imperdível Feira de São Mateus 

José Cascão, Rose de Almeida, eu e a bela Sofia 

No final de semana de 8 de setembro, enquanto muitos estavam no feriado prolongado (que foi meu primeiro aniversário sem ter o dia seguinte livre) fui visitar um casal amigo em Viseu. A amizade com José Cascão vem dos anos da faculdade FIAM há 47 anos (não é demais dizer quanto tempo se conhece uma pessoa sem a neura da idade?). Ele já estava no primeiro ano de comunicação social e eu era caloura. Já conhecer esse ano sua mulher Rose Almeida foi uma feliz coincidência ao descobrirmos que temos uma querida amiga em comum - Claudia Santos - que, com propriedade sempre diz: o mundo não é uma ervilha? 

Então, aceitei o convite para conhecer Viseu e a Feira de São Mateus no final de semana de 8 de setembro. Lá fui eu de Flixbus em viagem de ônibus de duas horas e fiquei fã do aplicativo que tem outros concorrentes. 

Sábado pela manhã, no delicioso brunch, depois que Cascão e eu descobrimos que -  pasmem! - vivemos a adolescência no mesmo período no velho e bom bairro do Brooklin Novo, fomos  desfrutar de um dos meus programas favoritos: conhecer cidades, museus e suas  histórias, observar pessoas, 'eventualmente' fazer umas comprinha. O programa fica mais incrível ao incluir uma companhia  - Sofia, filha do casal com alto astral e que chegou há pouco tempo do Brasil para aqui residir e trabalhar remotamente. 

Logo tive a primeira surpresa, ao visitar o Museu de História da Cidade. Estou em uma cidade de 2.500 anos, conectada como um fio que parte da idade do ferro, passa pela época romana e idade média, ganha o foral em maio de 1.123, concedido por D. Teresa, rainha de Portugal. O foral é um documento que estabelece o concelho (município), regula a sua administração, deveres e privilégios. O cuidado com a memória impressiona tanto pela exposição permanente quanto pela mostra que celebra os 900 anos do foral. E isso vale para todos os museus portugueses, muito bem cuidados com orgulho pelos seus municípios e  moradores. 

Vissaium, Veseum, Viseum, Viseu. O nome foi mudando à medida em que a história era vivida por moradores nobres e comuns, nascidos na Lusitânea ou em outros lugares daquilo que hoje é conhecido como Europa. Ali também está um dos maiores mistérios da arqueologia portuguesa, a Cava de Viriato. Terá sido acampamento romano? Estrutura militar árabe? Um projeto arquitetônico que não foi adiante entres os séculos IX e X?  Verdadeiro mistério. Mas é fato que a Cava de Viriato é considerada a maior construção em terra da Península Ibérica e forma um perfeito octógono em 32 hectares.   


Cave de Viriato, maquetes de visão geral e detalhe

Chega a noite e, com ela, a ida à famosa Feira de São Mateus. São quatro portas para  ingressar - São Mateus, Ponte de Pau, Sol Poso e Viriato. A corrida dos 900 anos da cidade estava acontecendo e para chegarmos até uma das portas foi uma verdadeira maratona! Tudo fechado, trânsito desviado, explicações dos guardas. Depois de muito rodar, Cascão estacionou pertinho e lá fomos nós quatro comprar os ingressos. 

Detalhe importante e não exagerado: ali tem de tudo para comprar! Afinal,  sua origem há 631 anos foi como uma feira de negócios.  

Então, quer renovar a roupa de cama, mesa e banho? Tem centenas de opções em vários estandes! 

Quer um carro Mercedes-Benz ou Audi 2023? Ali estão. 

Ou quer bijuterias em estanho desenhadas por artesãos locais? Também tem! (comprei algumas lindas!) 

Quer assistir shows grátis ou pagos? É só ver a programação muito divulgada nos media (como a mídia é chamada em Portugal).  

E mais: um parque imenso de diversões (para esvaziar os bolsos dos pais e deixar as mamãs enlouquecidas atrás dos rebentos...), ala de  restauração (onde estão os restaurantes e estandes de comidas e as deliciosas farturas). Um lugar iluminado em todos os sentidos.  

Durante 43 dias,  mais de um milhão e meio de visitantes terão passado na Feira, que encerrou-se dia 21 passado. Em 2022, 1.271.848 visitantes em média diária de 25.956 pessoas. O balanço desse ano ainda não foi divulgado. 


Visão da Feira e de monumento a Viriato

Vale dizer que o preço do ingresso está condicionado pela atração musical ou artística a se apresentar no palco principal no dia. Pode ir de 5 a 15 euros. Quando a atração é mais simples ou não há evento artístico naquele palco, a entrada é gratuita, explica Cascão. O objetivo dos promotores é ver o espaço sempre com movimento.  Importante destacar que o movimento de negócios pode chegar entre 80 e 90 milhões de euros.  

A Feira de São Mateus é a primeira feira a nível nacional a receber o certificado de evento sustentável aplicado nas vertentes social, econômica e ambiental, concedido pela certificadora Biosphere. A certificadora considerou que a mais antiga feira da Península Ibérica demonstrou, com sucesso, o cumprimento de ações alinhadas com os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda das Nações Unidas para 2030". 

Então, ao planejar sua viagem para Portugal, tem que incluir Viseu e se vier entre agosto e setembro, não pode deixar de ir na Feira de São Mateus! Quem sabe nos encontramos por lá no ano que vem? Te espero nas ruínas da Cava de Viriato! 





  



segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Vila Franca de Xira e as ruínas de uma história

Vamos fazer uma viagem diferente ao passado? 

Palácio do Farrobo

Estamos em Vila Franca de Xira, distante 30 quilômetros de Lisboa, mas, claro, não no ano da gravura (provavelmente em 1840). Nosso guia é Vitor Seabra, simpático português de 79 anos que mora no Monte Gordo, e que viu o esplendor e queda do Palácio do Farrobo.

O primeiro dono do Palácio foi Joaquim Pedro Quintela do Farrobo, segundo barão de Quintela e primeiro conde do Farrobo, conhecido como mecenas no Portugal do Liberalismo e que seguiu e superou a trajetória do pai no mecenato (1801-1869).

 Naquele Palácio, trabalharam o avô e o pai de Vitor, que tomou outro rumo e foi ser serralheiro. Depois de casado, foi para a França, onde morou por 20 anos e teve suas três filhas, voltando com sua esposa após se aposentar. 

Então, olhe bem a gravura, feche os olhos e imagine uma imponente propriedade de 60 hectares no alto de um morro, tendo as vinhas à sua frente e o gado solto. O vinho era produzido ali mesmo, em um prédio erguido para tal. O Palácio tinha escadarias imponentes, paredes de azulejos em mosaico azul, trabalhos de ferro, quartos, casas de banho e cozinha. E mais: um teatro ao lado onde apresentavam-se companhias italianas de ópera e uma capela, conectada ao palácio por passadiços. 

O Conde de Farrobo possuía ainda a Quinta das Laranjeiras em Lisboa –  hoje o Zoologico de Lisboa. 


Quinta das Laranjeiras 

Então, naquela Lisboa do século XIX, ele ficou famoso por promover animadas festas após os espetáculos também por ele patrocinados no seu Teatro Thalia, que ficava anexo ao palácio e tinha presença constante do rei D. Fernando e sua filha Maria Ana. Foi por conta dessas famosas festas que surgiu a expressão “farrobodó” (no Brasil, chamamos de forrobodó).  

A família possuía ainda a Quinta dos Sete Rios, a “casa de campo”, hoje conhecida como Palácio do Chiado. Como tudo que vem, vai, reza a lenda que acabou com uma fortuna que a família demorou dez gerações a criar. 

Mas voltemos à Vila Franca de Xira, que também tem seu lado histórico...

Vítor conheceu toda a região pois seu primeiro trabalho foi como empregado de tabacaria. “De manhã, eu percorria a Vila toda com um bloco e lápis anotando os pedidos nas tabernas e mercearias. De tarde, eu distribuía tudo”. Enquanto isso, seu avô e seu paí seguiam trabalhando no Palácio. Em 1957, a propriedade foi doada pelo Visconde à Caritas Portuguesa e houve uma grande restauração. 

Palácio do Farrobo, hoje

Ruínas de um tempo áureo

Mas, como nem tudo fica intacto, perto de acontecer a Revolução dos Cravos, o Palácio tem sua noite sombria, como Vitor conta: 

- “Às vésperas de 25 de abril de 1974, homens chegaram e roubaram tudo, até o madeiramento. Levaram o órgão da capela e tudo ficou destruído. Depois o presidente da Câmara da cidade (é a prefeitura) e o então presidente Mário Soares visitaram e disseram que tudo seria restaurado. Mas não foi o que aconteceu”.  Em 1980, a propriedade passou para a Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira e desde então, só as ruínas e o mato é que aumentam.

Pelos serviços prestados à família, seu pai recebeu dos herdeiros do Conde de Farrobo a casa e propriedade ao lado do palácio e que depois ele herdou e onde reside até hoje.  

Uma cidade cai em emboscada? 

Entretanto, a história de Vila Franca de Xira é mais estranha ainda que as ruínas no Monte Gordo. Tinha o segundo cais mais importante depois de Lisboa e era a cidade mais desenvolvida da região. Aos domingos recebia barcos vindos de Lisboa para comprar os seus famosos peixes. As antigas casas no caís indicam ter vivido um passado rico e vibrante. 


Cais antigo em gravura no azulejo e hoje


Marina da cidade, hoje

Em novembro de 1994, no lugar da antiga estalagem Lezíria e do Cinema da cidade, é aberto o Vilafranca Centro Comercial, com 180 lojas, três salas de cinemas – uma com tecnologia IMAX, dois estacionamentos – o terceiro maior centro comercial do país e o maior da região.  Apenas 19 anos depois, em 2013, o centro comercial é fechado. 

 Mas como um centro comercial morre? 

Segundo o site MAGG, não é uma resposta fácil de se obter. A maioria das lojas era da empresa Obriverca e os comerciantes queixavam-se dos altos valores de condomínio. A administração retrucava dizendo que as dívidas dos comerciantes tinham deixado a situação insustentável.  (Já vimos esse filme em várias cidades brasileiras...) Em 2017, o Banco Popular, do Santander, adquire tudo por cerca de 2,5 milhões de euros e no final de 2018 inicia o chamado Projeto Tagus, nome dado à transação que reunia imóveis no valor de 600 milhões de euros, adquirido pelo fundo norte-americano Cerberus.  

Hoje, o que se vê em Vila Franca de Xira é um centro comercial abandonado e supermercados nas ruas próximas ao falecido shopping. Dentro dele, segundo um fotógrafo que conseguiu entrar no lugar insalubre em 2019 há equipamentos como computadores, televisões e até pallets com garrafas de Coca-Cola intactas. Serve de abrigo e de cemitério de pombos. O restaurante panorâmico no último andar ainda exibe as cortinas de um tempo que Vila Franca de Xira era o centro da região. 


Segundo Vitor, a cidade está um pouco morta: 

- “É essa a sensação que a gente tem. Havia até uma fábrica que fazia farinha de trigo e de cascas de arroz, em frente aos hotéis da cidade”. Hoje, Alverca (cidade próxima) é que está crescendo.  

Conversa com Vitor em sua casa 

Nos despedimos de Vitor e de sua filha, Maria Tereza, conhecida como Maitê. Ele fica ali com seus sete gatos e sua lida diária – agora está restaurando um brasão em pedra do Palácio e que estava no lixo. Cuida da casa com sua mulher e das plantas. É exemplo de persistência, ao ter passado há alguns anos por um câncer, por uma parada de rins e voltado à vida no hospital. 

Mas, como muitos portugueses que encontro nas minhas andanças, ele mantém o bom humor e a cortesia.  

Vitor e sua filha Maitê


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