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terça-feira, 25 de julho de 2023

Livros já lidos fortalecem uma causa solidária

As páginas  voltam mais amadurecidas e belas 


Cascais tem um charme especial. Ali, pode-se ouvir com mais constância o brasileiro, como é chamado por aqui o português falado no Brasil. A cidade  encanta com seus restaurantes elegantes, casas deslumbrantes, vistas invejáveis. E tem mais: carros iguais aos que vemos em filmes de James Bond. Pertinho, há lugares que nos deixam sem palavras como a Boca do Inferno ou o Cabo da Roca (ali, não dá mesmo para falar, tal o vento do ponto mais ocidental da Europa!). 


Então, quando pensa que já viu tudo, chega-se à Praça da Fortaleza. Ninguém fica imune à Cidadela de Cascais, integrada por seu Palácio, Torre de Santo Antônio e a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz. Respira-se história nesse ambiente erguido para defender a região aos ataques que ocorriam do século XV ao XVII. Desde meados do século XX, foi esse o lugar escolhido pelas elites portuguesas e estrangeiras para desfrutarem dias de verão na vila pertencente ao distrito de Lisboa. 

Elites escolheram Cascais  como veraneio 


Mulheres elegantes ou descontraidamente vestidas – com chapéus para se protegerem do sol ardente do verão. Muitas acompanhadas pelos maridos – aliás, vale uma nota depois de meses de observação (pode ser precoce e sujeita à mudança!):  as mulheres portuguesas são altivas e têm opiniões firmes, ditas sem medo de serem felizes. São generosas e, ao mesmo tempo, dedicadas ao trabalho seja ele qual for e à orientação de seus miúdos. 

Exemplo dessa garra feminina portuguesa é encontrado ao subirmos uma escadinha estreita no Restaurante Taberna da Praça. Quando se chega ao primeiro andar do espaço pertencente ao hotel Pestana Cidadela Cascais, deslumbram-se prateleiras com livros já lidos em excelente estado, divididos por idiomas ou por temas. Estamos na Livraria Déjà Lu, onde é possível encontrar livros por preços mais que convidativos. 


Paraíso para leitores ávidos


Ali está A Relíquia, de Eça de Queiroz, em edição recente e perfeito estado por 4 euros! Aliás, devo confessar que me tornei fã de carteirinha desse autor e sua verve.  Na mesinha do caixa, a voluntária Rita Lobo (simpática como a ‘nossa’ brasileira e doce Rita Lobo) conta que essa é uma livraria solidária, ou seja, as receitas são revertidas integralmente para Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21. 

A voluntária Rita Lobo

E quem teve a ideia de transportar os viajantes que aqui chegam, mais conhecidos como turistas, para caminhos sinuosos e atraentes das palavras no papel? Duas portuguesas com muita determinação: Francisca Prieto e Maria Faria de Carvalho, que já tinham criado o blog Déjà Lu em 2011 para leiloar livros usados. Então, com exemplares vindos de todas as partes do país, elas preencheram as prateleiras em um ambiente acolhedor como uma sala de casa.
 
 A livreira Francisca na mídia portuguesa. 
Aqui, crédito para a plataforma Sapo.  

Assim nascia em 2015 a livraria Déjà Lu, que conta com voluntários para a coleta, catalogação das obras e atendimento. No Brasil, a Trissomia 21 é conhecida como Síndrome de Down. Descrita pela primeira vez em 1866 pelo médico inglês John Langdon Down, a Síndrome de Down consiste numa alteração cromossômica: em vez de dois, existem três cromossomas 21. Daí a designação Trissomia 21. 

Uma das filhas de Francisca leva o seu nome e é portadora da Trissomia 21.  A hoje jovem de 17 anos passou várias tardes de sua infância  nas salas da Déjà Lu. E o projeto da Associação segue, com o objetivo de apoiar a profissionalização dos jovens portadores de Trissomia 21.

E desde 18 de julho, Francisca Prieto tem companhia na jornada de inclusão em Cascais.

Foi aberto o terceiro café-restaurante inclusivo e solidário da Associação francesa VilacomVida em Portugal. Ali serão empregados 12 jovens adultos com dificuldades intelectuais e de desenvolvimento, além de um gerente, um subgerente e seis supervisores que vão acompanhar e formar os jovens. Depois de conversar com Rita, pegar um papelzinho verde em um aquário (frases tiradas de livros, claro!), saio carregada de livros cuidadosamente condicionados em duas sacolas de pano. 

Estou feliz. Afinal, os livros que cobriam uma parede inteira de meu apartamento na Vila Leopoldina, em São Paulo, seguiram rumo a outros leitores. E, em uma vila de além-mar, encontro outros que ficarão ao meu lado por um bom tempo – e, claro, terão outros companheiros assim que eu voltar à Livraria Déjà Lu! 


#ler #livros doados #Dèjá Lu #Cascais #Cidadela #descoberta # Portugal 


domingo, 9 de julho de 2023

Ainda que eu falasse a linguagem dos homens e dos anjos

Canidelo, cantinho que se torna querido


Nos primeiros dias em Portugal, ainda em fevereiro, iniciei minhas caminhadas pela freguesia de Canidelo (no Brasil, é bairro), e encontrei a Igreja de Santo André de Canidelo. Então, criei um hábito. Sempre que vou buscar o jornal Expresso no posto da CTT às sextas ou aos domingos, costumo dar uma paradinha na igreja que tanto me lembra as de Salvador (BA). Ali, no cantinho ao lado da pia batismal, faço preces, descanso e admiro os afrescos. Gosto de conhecer igrejas por onde vou, pois acredito que é uma forma de - além de estabelecer conexão com o divino - conhecer um pouco a história local. 

Igreja Santo André de Canidelo

No domingo, 2 de julho, percebi certa movimentação na porta, com pessoas cumprimentando-se efusivamente. Será que teria casamento? É sempre bom admirar igrejas decoradas para festas. Além disso, seria boa oportunidade para, depois do evento, vê-la mais de perto pois as portas principais permanecem fechadas fora dos horários de missas. Pela quantidade de ouro ali presente, a igreja tem um sistema de segurança com portas de vidro nas laterais e câmera. 

Então, no meu canto habitual, perto da bia batismal, reparei em um jovem colocando os folhetos nos bancos. E qual não foi minha surpresa quando minutos depois, o mesmo jovem retorna à nave principal, já paramentado, abre as portas e saúda as pessoas! É estranho ver um padre tão jovem. Devagar as pessoas vão entrando, seguindo uma senhorinha acompanhada provavelmente por sua filha. 


Quietinha, ao lado da bia batismal,
observava a movimentação


No altar, o noivo Ricardo Rocha olha para a frente, o que me chama a atenção pela diferença com o Brasil, onde o noivo olha para a entrada da noiva e vê uma sequência, na minha opinião um pouco exagerada, de padrinhos e madrinhas a ingressar no recinto.

A noiva Ana Borges entra com sua mãe e depois entra Sophia, uma bela menina de um ano e dois meses, no colo de provavelmente um parente. 

O padre Pedro Sousa, de 31 anos, inicia uma inusitada cerimônia - casamento seguido do batismo da filha do casal.  Para minha surpresa, o texto escolhido é um dos meus preferidos: 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios, capítulo 13: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine ...". 


Os noivos, após a bela cerimônia


Segundo reportagem do site A Verdade, o jovem padre dehoniano Pedro Sousa acredita que “o amor é a palavra-chave de toda a fé em que acreditamos e a palavra-chave da felicidade. Podemos acreditar muito ou pouco, mas se adotarmos a vida de Jesus para a nossa, vamos alcançar o amor verdadeiro. Alguns procuram noutras coisas. mas acredito que este modelo nos mostra uma forma de chegar mais rápido à felicidade”.  

Vale esclarecer a nomenclatura dehoniano. A Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) nasceu em 1878, em Saint-Quentin, França, por obra de seu fundador, Padre Leão Dehon, então sacerdote da Diocese de Soissons, coadjutor da Paróquia de Saint-Quentin e diretor do Colégio São João. A congregação  assumiu inicialmente o nome de Oblatos do Sagrado Coração. Depois de difícil início e algum tempo suprimida pela Santa Sé, em 1884, renasceu com o nome oficial de Sacerdotes do Coração de Jesus.

Voltando ao casamento, Pedro Sousa diz que mesmo sem ter a experiência no matrimônio, dá um conselho ao casal: além de olharem um ao outro, ambos devem olhar na mesma direção. 

Após a comovente cerimônia, dirige-se à pia batismal e eu mais que depressa, saio dali e entro na outra porta lateral. Sophia, como toda criança, chora um pouco ao receber a água santa, aquietando-se logo.  

Batismo de Sophia

Todos saem e aguardam a saída dos noivos que, passados alguns minutos, são saudados com arroz e pétalas de flores. 
Sophia e sua mãe Ana



Na volta para casa, vejo o cortejo de carros seguindo o veículo dos noivos, todos buzinando pelas ruas de Canidelo.

Caminhando, fico a lembrar dos casamentos (religiosos ou civis) dos meus sobrinhos e dos batismos da sobrinha e afilhada Annamaria e do sobrinho-neto e afilhado João Pedro. Então, lanço um desejo para o universo:  

- Quem sabe não conseguimos reunir a família toda (vinda de vários cantos) em 2024 ou em 2025 nesse cantinho tão querido chamado Canidelo?